Os tempos atuais em que somos bombardeados por uma imensidade de dados e informações a cada minuto - em sua maioria sem utilidade alguma - muitas vezes nos colocam em armadilhas, nas quais entramos sem perceber e temos grandes dificuldades para nos escapar.
Esse aspecto complicado do mundo moderno está presente também no mundo das trilhas, hoje amplamente alardeado nas redes sociais. Trata-se de um ambiente que nos obriga a presença fiel e constante; não raras vezes exigindo respostas, posicionamentos e demarcar de território, sob pena de ficarmos pela margem da estrada; ou no português claro, cairmos no ostracismo.
Uma característica que nos coloca em evidência nas redes sociais é a apresentação de resultados daquilo que fazemos. Até nos tempos analógicos sempre foi assim! Mas com a liquidez atual isto se tornou imperativo. Desse modo, infelizmente não raras vezes acabamos inflando nossas realizações para ganharmos destaque e seguidores.
No mundo trekking uma das maneiras de nos destacar é sermos o primeiro a realizar dada travessia, abrir nova rota, organizar um evento de expressão, enfim, ser o dono das primícias. Isto guarda aspectos positivos e mostra o nosso valor; é claro!
Porém, na rapidez das redes nem sempre acabamos por empregar termos adequados àquilo que realizamos. Talvez não por oportunismo ou maldade, mas simplesmente movidos pelo desejo e necessidade de nos adequar à engrenagem comunicativa atual. Um desses termos muito presente na atualidade é "abertura de trilhas"; ou "trilhas novas".
Ultimamente temos ouvido falar muito nisso! "Estou indo abrir uma nova rota"; ou "abri uma rota para tal cachoeira"; ou "fui o primeiro a colocar os pés no pico tal"... Mas pasmem, há até mesmo pessoas afirmando já ter "aberto dezenas de rotas"! E por aí vai...
Pois bem, por abertura de trilhas resumidamente entendemos longo processo. Isto envolve estudo anterior, incursões várias no ambiente natural, emprego de força literalmente braçal e por fim a validação. Esse processo resultará em um percurso com distância razoável e devida importância.
De todas as etapas listadas anteriormente, talvez a mais importante seja a validação. Isto porque a validação envolve a avaliação por terceiros, ou seja, outras pessoas da comunidade irão percorrer a eventual nova rota e concluir pela sua viabilidade.
Diante dessa definição podemos concluir que, apesar do Brasil apresentar imensas áreas naturais, algumas intocadas, há alguns biomas em que isto mais raramente seja possível de se efetivar. Um desses biomas é o Espinhaço; em especial em Minas Gerais.
O Espinhaço é uma região que abriga a ação do homem há séculos. Portanto há caminhos em praticamente todos os lados. Aquelas áreas supostamente não visitadas em sua maioria constituem fragmentos; cujas eventuais novas trilhas não poderiam se enquadrar dentro da definição de "abertura de trilhas". Estas, no máximo se encaixariam em uma adequação, um desvio; um escape; uma ligação de caminhos vizinhos pré-existentes; um atalho.
Esse exemplo nos leva a crer que é por demais importante que tenhamos entendimento e conhecimento suficientes para avaliar os dados quando escutamos sobre a eventual abertura de uma nova rota. Especificamente no Espinhaço, grande parte daquilo que ouvimos como sendo uma nova rota, nova travessia não passa de um atalho, uma variante, um ataque, uma ligação ou uma adequação. Jamais poderiam ser enquadradas como uma "abertura de trilha".
Portanto meus caros, que possamos ser mais criteriosos no emprego dos termos! Com isto poderemos ao menos evitar passar vergonha, porque ao nosso redor sempre haverá alguém mais conhecedor do assunto. Estes podem estar rindo às nossas costas enquanto achamos que estamos abafando com os fugazes "likes" nas redes sociais! Menos, por favor!
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